quinta-feira, 27 de outubro de 2016

{Fabí} A mulher em Gabriela cravo e canela de Jorge Amado

Oi gente, tudo bem?

Hoje vou falar de um livro que eu li e me apaixonei pela personagem principal, Gabriela, cheira a cravo e tem a cor da canela, é pura como uma criança e ama de forma sensível e livre, mas nem só de Gabriela se trata esse post, ele trata também de Glória, Malvina, Sinhazinha e de outras mulheres em Gabriela cravo e canela de Jorge Amado.

De uns dois, ou três, anos pra cá comecei a me interessar pelo papel da mulher na literatura, não só conhecer escritoras, mas a mulher como personagem em todos os períodos, acredito que a literatura é sim uma forma de registro histórico e cultural da sociedade. Muito desse interesse veio com a leitura de Um teto todo seu, da Virgínia Woolf e também porque sou fã de Jane Austem e suas personagens, elas me levaram a pensar nas mulheres de outros tempos, nas vidas, costumes e aspirações delas e principalmente no que é ser mulher.

No vídeo do VEDA - Livros que me mudaram como leitora, eu cito esses livros (e outros), porque realmente passei a ler de forma diferente depois deles, passei a olhar como é a construção das personagens, como as mulheres são descritas, representadas e o seu papel naquela sociedade, para mim isso se tornou um fator importante, uma coisa sempre a ser notada. Já disse em outros momentos, que pra mim a literatura é uma forma de rever o mundo, cada dia sob a ótica de um escritor diferente, ele que vive uma vida distante da minha, seja por anos, quilômetros ou vivencias tão diferentes.

E em Gabriela cravo e canela fiquei fascinada com a construção de tantas mulheres incríveis, daquelas que inspiram, que são livres, vale lembrar que esse livro se passa em Ilhéus, Bahia, na época dos coronéis do cacau, no ano de 1925, traduzindo, uma sociedade super machista e conservadora, onde o dinheiro e o poder mandam e onde tudo é mais ou menos estabelecido, existe um modelo de mulher para cada situação, modelo esse que estabelecem o padrão de todas as relações e ditam os comportamentos de todos.
É opressivo ver como os homens podem tudo e como a mulher é (quase) sempre sujeitada às vontades masculinas, se forem sexuais, são prostitutas do cabaré ou raparigas, que tem luxo bancado pelos coronéis, mas praticamente vendem sua vida em troca, as solteironas, que não tem marido, mas são muito castas, praticamente assexuadas (acredita-se que sejam virgens). E a posição mais incomoda, mulheres que são as filhas e esposas de coronéis, que não escolhem com quem dormem, o que dizem não é ouvido, aceitam muitas vezes as raparigas e sofrem sua dor em silêncio e muitas vezes na miséria.

Mas no meio de tanta opressão existem mulheres livres, ou pelo menos com o espírito livre, mulheres que não aceitam aquilo e que sonham com uma vida melhor, com amores e vidas diferentes. Fiquei impressionada com Gabriela, por ela ser uma força da natureza, por ela ser do tipo que segue seus instintos, mas também porque ela ser o estereótipo da gostosona, sério, ela é tímida, mas provocante, tem um corpo lindo, obedece o homem, além de ser fogosa e boa de cama, logo seria uma paixão provável pra mim, pois sou fruto de uma sociedade machista, que estabelece exatamente isso como o máximo do ideal de mulher, aquela"santinha na rua e puta na cama", sabe?

Porém, ela não é só isso, ela é uma mulher que foi violentada, que gosta de cantar, fazer carinho nos bichos, que gosta de "se deitar com moço bonito" e que não entende porque as relações precisam de exclusividade, ela separa bem o amor do sexo, ela é sexualizada, em uma terra onde as mulheres são mais bonecas infláveis, onde mulher gosta de sexo é puta, rapariga e na cama a mulher tem que ser passiva e submissa ao homem, tanto que na série tinha aquele bordão "deite que eu vou lhe usar", que virou meme na internet.


Acho que muito da libertação da mulher nessa obra vem da sexualização, pois Sinhazinha (ai ai que era usada) é morta usando apenas meias pretas na cama com seu amante, as raparigas acabam sempre sucumbindo as tentações e arrumando amantes, Gabriela gosta de transar com seu marido e não esconde e tem a Malvina, mas ela merece um capítulo só dela.

Ah Malvina (filha do coronel Melk Tavares), tu és minha personagem preferida desse livro, pois por mais secundária que seja é autentica, esforçada e busca seus sonhos, o mais legal é que não é dependente de homem, o que era extremamente difícil naquela sociedade, uma das partes mais marcantes e que mais me doeram o coração no livro é justamente uma que ela senta no rochedo, depois de brigar com o pai e pensa em como é a vida dela, em como vai ser se ela ficar ali e o que ela quer para si mesma, é angustiante e libertador, ela está perto do mar, de toda essa imensidão, se sentindo tão pequena e tão frágil, acho simbólico, porque no zen budismo a água é um elemento adaptável, mas cheio de força, me lembra aquele ditado "água mole em pedra dura, tanto bate até que fura". Um trechinho que mostra bem isso:

"[...] Melk com todos os direitos, de tudo decidindo. A mãe cuidando da casa, era seu único direito. O pai nos cabarés, nas casas das mulheres, gastando com raparigas, jogando nos bordéis, nos bares, com os amigos bebendo. A mãe a fenecer em casa, a ouvir e a obedecer. Macilenta e humilhada,co tudo conforme, perdera a vontade, nem na filha mandava. Malvina jurara, apenas mocinha, que com ela não ia ser assim. Não se sujeitaria. Melk fazia-lhe vontades, por vezes ficava a estudá-la, cismado. quando ela lhe dissera querer estudar ginásio e depois faculdade, ele decretara:

- Não quero filha doutora. Vai pro colégio de freiras, aprender a costurar, contar e ler, gastar seu piano. Não precisa de mais. Mulher que se mete a doutora é mulher descarada, que quer se perder. [...]"
Enfim, acho muito interessante essa mistura de "mulher ideal", com esse anseio de liberdade das mulheres, acho que em muitas obras a mulher é retrata sob a ótica dos homens, a Gabriela é muitas vezes mostrada assim, ainda acho que ela é apaixonante, mas acho que ela é feita pra agradar frutos de sociedades patriarcais, agradar a homens e mulheres e em outras partes as mulheres são só mulheres e não dá pra perceber que foi um homem que projetou "a mulher perfeita".

Eu acredito que a escrita pode ser universal, sem projetar o masculino e feminino, mas que em alguns livros as personagens femininas não são verdadeiras, mas sim retratos da projeção do ideal de mulher dos escritores. E vocês o que acham?

Até a próxima! ;)

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